quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Um novo espaço de Escrita

TEXTO E HIPERTEXTO
Além de se afirmar que o hipertexto é um novo espaço de escrita,
é comum ouvir-se que o hipertexto representa uma novidade radical,
uma espécie de novo paradigma de produção textual. A rigor, ele não é
novo na concepção, pois sempre existiu como idéia na tradição ociden-
tal; a novidade está na tecnologia que permite uma nova forma de tex-
tualidade. O hipertexto, aliado às vantagens da hipermídia, consegue
integrar notas, citações, bibliografias, referências, imagens, fotos e ou-
tros elementos encontrados na obra impressa, de modo eficaz e sem a
sensação de que sejam notas, citações etc. Em suma, subverte os mo-
vimentos e redefine as funções dos constituintes textuais clássicos.
Perfetti (1996, p. 157) inicia sua análise da relação entre texto e
hipertexto afirmando: “Entre o texto e o hipertexto está o hiper.” E
então se indaga “se há algo mais que conecte os dois além de uma raiz
morfemática comum”. Em seguida, Perfetti reclama da trivialidade com
que se desenvolveram os estudos sobre o hipertexto e da falta de aten-
ção para certas questões centrais. Por fim, Perfetti propõe uma agenda
para o futuro que constaria na análise da relação definida como “relação
processo versus uso”.
Para Perfetti, a questão central não está em discutir qual a relação
entre texto e hipertexto e sim em admitir que se trata de textos. A inda-
gação seria sobre "como leitores usam os diferentes tipos de informação
e a urdem em que elas são usadas" (p. 158). Assim, é relevante saber
como os leitores integram em seus conhecimentos as informações tex-
tuais que vão recebendo ou acessando. O problema não é o acesso em si
nem a quantidade de coisas acessadas, mas o uso que é feito dos textos
acessados, isto é, o seu processamento. E aqui é irrelevante se se trata
de um texto impresso ou de um hipertexto eletrônico.
Muitos autores além de Perfetti já apontaram com certa ênfase a
ausência de estudos básicos na questão do hipertexto. Frisou-se em
demasia a não-linearidade e utilizou-se-a de forma indiscriminada e até
ingênua como uma tecnologia para euforicamente criar textos de toda
ordem.
Uma das idéias centrais da atual Lingüística de Texto é a da não-
monoliticidade de sentido do texto, já que o texto é uma proposta de
sentidos múltiplos e não de sentido único. Também se postula hoje (v.
Beaugrande, 1997), que o texto é plurilinear na sua construção. Veja -se
o caso das interpretações anafóricas, da identificação referencial dos
dêiticos ou da desambiguação não-imediata, mas ainda contextual. Por
isso, julgo possível dizer que a não-linearidade do hipertexto tem sua
contra-parte no texto impresso. São aspectos diversos, mas de funções
similares.
Neste sentido, imagino que as teorias do texto, tal como as co-
nhecemos, auxiliam na compreensão do funcionamento do hipertexto.
A inovação trazida pelo hipertexto não está no uso específico da língua
enquanto atividade sócio-cognitiva, mas na sua apresentação virtual,
resolvendo em parte o dilema proposto por Beaugrande (1997) entre o
virtual e o real. Dada sua natureza essencialmente topográfica e suas
possibilidades de ligações instantâneas multilinearizadas, o hipertexto
cria um novo “espaço de escrita", tal como sugeriu Bolter (1991).
Em suma, o hipertexto é um bom momento para a revisão de no-
ções que por vezes foram tidas como estruturais ou factuais e que agora
passam a ser consideradas como essencialmente funcionais. Entre elas
estão as de autor e leitor, bem como de centralidade tópica, coerência e
referenciação.
Observando detidamente alguns trabalhos mais técnicos com o
hipertexto, tais como os de Dee-Lucas (1996), com análises sobre a
diferença de rendimento na leitura de um hipertexto na forma de indi-
cadores hierarquizados e um hipertexto na forma de listas de entradas
ou na forma de uma página corrida com ligações (links) para acesso, e
considerando os estudos de Foltz (1996) com uma revisão da literatura
sobre as aplicações do hipertexto, constatamos que, em suas análises,
todos se apóiam nas conquistas da Lingüística de Texto já nossas co-
nhecidas.


rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v4n1/f_marcuschi.pdf

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